O novo presidente da Argentina, Javier Milei, toma posse oficialmente neste domingo, 10, após vencer uma das disputas eleitorais mais acirradas do país. O economista libertário de extrema-direita surgiu nesta eleição como um fenômeno inovador, que catalisou a frustração dos eleitores com a situação econômica. O anarcocapitalista, contudo, tem missões difíceis pela frente. A Argentina, terceira maior economia da América Latina, atualmente enfrenta um cenário de crise aguda, com 40,1% de sua população na pobreza, inflação anual de três dígitos, taxa de desemprego de 6,2%, praticamente a mesma de uma década atrás. Entre 1961 e 2022, houve apenas seis anos com superávit fiscal, segundo o Instituto Argentino de Análise Fiscal. Desde 1958, o país assinou mais de 20 acordos de crédito com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o mais recente em 2018. Entre as propostas de Milei para resolver a alta inflação argentina, de quase 180% ao ano, está a eliminação do Banco Central e dolarização a economia. O discurso do novo presidente é visto por alguns como extremista, mas talvez efetivo para lidar com 50 anos de graves problemas estruturais na economia argentina.
Professor de Relações Internacionais da UFF e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin explica que, entre 2002 e 2022, a Argentina aumentou o gasto público em mais de 14,7% em relação ao próprio PIB e boa parte desse gasto é financiado por emissão monetária. Esse movimento gera inflação, que vem acelerando, e as “projeções indicam que essa taxa continuará aumentando neste ano, repetindo o impulso de março e abril, quando atingiu 7,7% e 8,4% respectivamente ao mês”. Ao mesmo tempo em que esse problema cresce, “as taxas de juros não param de aumentar e acabam de chegar ao patamar 97% ao ano, o maior em 20 anos”. Somado a isso, o descontrole do câmbio, que vem ocorrendo de forma severa nos últimos anos – há 48 cotações diferentes para o dólar que circula no país – a Argentina sofre com escassez de dólares e as reservas líquidas do Banco Central estão zeradas, chegando agora ao déficit de US$ 1 bilhão. Brustolin pontua que “com esse nível de inflação e dificuldade de acesso a moedas fortes, os argentinos empobrecem a cada dia.
Carlos Honorato, professor da FIA Business School, esclarece o que representa a proposta de Milei de dolarizar a economia. “Isto quer dizer que a moeda norte-americana seria a moeda oficial da Argentina. A dificuldade é que, em países com economias grandes, como é o caso da Argentina, dolarizar a economia pode criar problemas sérios, inclusive soberania nacional. Dolarizando a economia, o país não tem mais moeda própria e, portanto, não pode fazer política monetária, entre outras coisas”, indica. Contudo, levando em consideração a situação atual do país, Honorato pondera que a dolarização da economia poderia ser benéfica em alguma medida. “O problema central da Argentina é a ausência de reservas substanciais em dólares. Além disso, existe um forte desajuste nas contas públicas, um intenso lobby de setores econômicos e uma dificuldade política quase intransponível para fazer reformas necessárias. Talvez a proposta da dolarização da economia não seria de todo ruim. A partir de um determinado momento, o dólar seria a moeda corrente mesmo que você não tenha um valor muito grande em circulação em papel-moeda. Isso freia a inflação, mas, certamente, criaria empobrecimento coletivo violento”, alerta.
Caroline Silva Pedroso, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo, aponta que existem vários pontos nebulosos nas propostas de Milei, o que faz com que seja difícil imaginar como ele vai conseguir implementar essa agenda e como suas ações vão ser vistas pelos países vizinho. Ela lembra que o novo presidente argentino já declarou que não pretende ter relações com o Brasil pelo fato dele estar sendo governado por Lula, um líder de esquerda. “No campo das relações internacionais, diria que a Argentina pode sofrer grandes rupturas em termos da sua tradição diplomática”, resume. Pedroso acrescenta que isso pode trazer impactos para os argentinos, principalmente ao que diz respeito a dificuldade econômica que eles tem enfrentado. “O fato de a Argentina ter boas relações com diferentes países amplia o leque de possibilidades para que ela consiga superar essas dificuldades internas”. Ela cita como exemplo o fato de que o país acabou de ser aceito no BRICS — passa a fazer parte em janeiro. Contudo, Milei havia dito que, se fosse eleito, não aceitaria o convite para participar. Segundo a professora, o Brics hoje é uma iniciativa importante porque ele tem o Banco dos Brics, o Novo Banco de Desenvolvimento, que é outra alternativa de financiamento para os países, para além daquelas instituições financeiras já consolidadas no mundo, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), e a Argentina não possui uma grande relação com ela.
A cerimônia de posse de Milei começará formalmente quando o político prestar juramento perante o Congresso, em Buenos Aires, às 11h (mesmo horário em Brasília). Após a formalidade, ele irá se reunir com o presidente em fim de mandato, Alberto Fernandez, que lhe entregará a faixa e o bastão presidenciais. Depois de receber os atributos do cargo, Milei fará um discurso para os parlamentares e seguirá de carro para a Casa Rosada, a sede do Poder Executivo, com escolta. Ele planeja descer do automóvel na Praça de Maio, em frente, e caminhar até o prédio. Na sede do governo, Milei cumprimentará as delegações estrangeiras. Em seguida, será realizado o Tedeum na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, onde haverá um culto inter-religioso, com mensagens de representantes católicos, judeus, muçulmanos e protestantes, que rezarão pelo futuro da Argentina. À noite, haverá uma apresentação especial no Teatro Colón, em Buenos Aires.
Jovem Pan