A família do agricultor aposentado Honor Vieira Froes, o “seu” Nonô, realizou seu velório na noite da última terça-feira (30/07), no salão de uma funerária de Montes Claros, no Norte de Minas. No entanto, o corpo do aposentado não foi enterrado, pois terá uma função importante para a vida: será usado na contribuição à ciência. Honor Vieira, que faleceu na madrugada de segunda-feira (29/07), aos 95 anos, fez, em vida, a doação do seu corpo para o curso de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
O procedimento havia sido oficializado pelo aposentado, em cartório, há mais de 11 anos, em 8 de março de 2013, em uma escritura pública de testamento. No documento, assinado por Honor Vieira, consta que o objetivo é que, após a sua morte, o seu corpo fique à disposição da universidade para servir como “objeto de estudos e pesquisas”. O aposentado morreu em decorrência de uma embolia pulmonar.
Logo em seguida, foi encaminhado para o laboratório de anatomia, instalado no prédio do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS). Ali funcionam outros cursos da área de saúde, que também podem ser beneficiados com a doação (enfermagem, odontologia, psicologia e educação física e ciências biológicas).
“A doação não significa que o corpo será ‘guardado’. Conforme foi registrado em cartório, em vida, pelo doador, o corpo foi destinado para contribuir com a ciência. Essa vontade do senhor Honor será atendida”, esclareceu Henderson Ogando.
Origem
Honor Vieira Froes era uma pessoa simples. Nasceu na localidade de Saracura, na zona rural de Juramento, também no Norte de Minas, e estudou até a quarta série do “antigo primário” (atual quinta série do ensino fundamental). Com o duro trabalho na roça e a venda da sua produção, criou 10 filhos. “Ele sempre teve uma paixão pela ciência e pelo conhecimento. Ele gostava de ler e se manter ‘antenado’, a par de todas as questões do nosso país”, afirma a professora Euza Maria Froes, de 61, filha do “seu” Nonô.
Além de ter feito o registro da doação em vida, por meio de escritura de testamento em cartório, Honor Froes, há alguns, visitou uma turma de estudantes de medicina da Unimontes e manifestou o seu desejo de que, quando morresse, em vez de ser enterrado, o seu corpo fosse doado para servir aos estudos.
“Tive o privilégio de conhecer o seu Honor. (Testemunhei) um relato emocionante dele, sobre como valorizava a ciência. Diante de uma turma de 40 acadêmicos de medicina da Unimontes (exatamente da turma 73), ele manifestou o desejo de doar o corpo para o curso de medicina desta instituição pública. Foi algo muito emocionante. Fizemos o compromisso de receber o corpo dele com muita dignidade e respeito”, afirma a professora Thaisa Crespo, que também coordena o Laboratório de Anatomia do curso de Medicina da Unimontes.
Ela ressalta a relevância da atitude do aposentado. “A importância desse gesto é a gente saber como a anatomia pode ser disseminada, não somente dentro da área de saúde, mas além dos muros da universidade. Ela tem que ser levada até a população. O corpo dele, recebido dentro dos preceitos legais e éticos, será perpetuado na história da universidade e vai contribuir com a ciência”, enfatizou.
“Isso também nos leva a uma reflexão acerca do que significa doação, o ato de doar os órgãos e, também, de doar o próprio corpo em benefício do outro. Induz a pensarmos não somente sobre a questão técnica e científica, que é de grande importância, mas, sobretudo, acerca da dimensão do ser humano”, observou a professora.
“A tecnologia, hoje, disponibiliza vários recursos de anatomia, de ensino e aprendizagem na área. Mas a gente sabe que o estudo do corpo humano, do cadáver e dos aspectos naturais é insuperável. É a maneira mais fidedigna de se aprender realmente sobre essa ciência tão imprescindível para toda a área de saúde”, afirmou.
Thaisa destaca que a atitude do agricultor do Norte de Minas pode estimular outras pessoas a doar o corpo para a ciência. “O gesto dele é inspirador para todos nós, das próprias universidades – e já existem centros de ensino no país que oficializaram programas de doação de corpos. Então, ele pode inspirar cada um de nós, como professores e pesquisadores comprometidos com a ciência, e a população em geral a respeito do significado da doação, e sobre o que podemos fazer em vida, principalmente, mostrar que a vida não acaba nem mesmo com a morte”, concluiu a coordenadora.
Orgulho do gesto
A família de Honor Vieira Froes, ao mesmo tempo que ficou consternada com a morte dele, manifestou orgulho e satisfação com a atitude do agricultor aposentado de ter feito, em vida, a doação do seu corpo para a ciência. “Nosso sentimento é de muito orgulho e muita honra porque se trata de um gesto de altruísmo, de doação, de pensar no coletivo, um gesto ímpar”, afirmou Euza Maria.
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