Tatiana Santos/radiopontal.com.br
Manter a fé e a resiliência diante das adversidades impostas pela vida não é tarefa das mais fáceis. Muitas pessoas perdem a motivação, outras questionam os porquês, e há ainda aquelas que simplesmente desistem. Mas nenhuma dessas opções está ou esteve nos planos de Tatiane Cíntia Vaz Rodrigues. Moradora do bairro Hamilton, em Itabira, ela é casada há cerca de 12 anos com Mauri Ferreira, que se mostra um verdadeiro companheiro para todas as horas.
Tatiane é portadora da doença rara Charcot-Marie-Tooth (CMT), que afeta os músculos das pernas causando atrofia. O problema foi descoberto em 2012, apenas um ano após ter se casado. Mesmo diante da notícia difícil, a itabirana manteve a fé em Deus, a confiança e a esperança de que conseguiria superar todas as dificuldades. Atualmente, ela e o marido empreendem produzindo geleias e produtos artesanais. Confira abaixo a entrevista:
Como foi o processo de descoberta da doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT)? Como recebeu o diagnóstico?
Tatiane: Então, desde que nasci, com meus cinco anos de idade, tive dificuldade para andar, mas consegui andar. Só que eu caía muito quando eu era criança. O meu joelho tem as marcas das quedas. Mas eu fui uma criança normal, andei de patins, de bicicleta, tive grupos de dança. Então, foi passando o tempo, eu fui correndo atrás para ver o que, de fato, estava acontecendo comigo. E só no ano de 2012 que eu tive um laudo. Não fiquei triste, vou ser sincera com você, porque eu creio muito em Deus. Quando eu tive esse laudo de doença de Charcot-Marie, é uma doença que não tem cura. E eu teria que conviver com ela. Então, a médica de genética me chamou e ao meu esposo. Na época, a gente estava com o casamento marcado. Estávamos noivos ainda. Aí ela chamou a gente, lá no Hospital Sara Kubitschek, em Belo Horizonte, e falou para a gente que não poderíamos ter filhos. Se a gente tivesse filhos, era 90% de chance do filho ter a doença que eu tenho. Só que ela queria me ver triste, chorando.
E essa fala da médica chegou a te abalar, caiu como uma sentença para vocês? Ficaram desanimados com isso?
Tatiane: Mas isso não aconteceu, porque Deus é a minha alegria. Eu já tinha entregado a minha vida para Cristo, então, Ele já estava vivendo em mim. Isso não me abalou. Não tirou a minha alegria de casar. Eu falei com o Senhor: “Não, Senhor, se o Senhor me der um filho, vai vir perfeito”. Eu não acredito que viria com alguma doença. Aí, beleza, saímos de lá. A médica até falou assim: “Nossa, uma notícia dessas, as pessoas até ficam tristes. E você está rindo?”. Não é. O meio que eu encontrei de levar as coisas difíceis da minha vida é com alegria. Viemos embora e nos casamos. Foi uma luta para construir a minha casa. Aí, na época, poucos meses depois, a Tatiana da Rádio Pontal, que na ocasião trabalhava em outro meio de comunicação, veio na minha casa me entrevistar. Na época, era a casa da minha mãe. Tatiana fez uma matéria comigo. Foi até minha irmã que procurou ela. E eu ganhei tanto presente após a matéria, sabe? Tanto presente. Eu ganhei bolo, bombom. A gente conseguiu pagar para enfeitar a igreja uns enfeites mais baratinhos. Mas, no dia do nosso casamento, eu fiquei surpreendida porque alguém foi lá e colocou um arranjo de gente rica. Eu ganhei as fotos. O salão foi um dos melhores salões de Itabira. Um vestido de noiva. No dia que eu fui experimentar um vestido que minha mãe conseguiu pagar R$500,00 foi um vestido de R$2.000,00. Eu agradeço a Deus pela vida das pessoas que me ajudaram. Muitas pessoas que eu não conheci foram lá ver o meu casamento, a igreja ficou cheia. Tinha mais gente que não era da minha família do que da minha família. Então, eu agradeço a Deus todos os dias pelas pessoas que eu não conheci que me ajudaram. E se não fosse Deus, nada disso teria acontecido.
O que aconteceu depois dessa reportagem?
Tatiane: Foi show de bola, porque pessoas que eu nunca vi na minha vida me presentearam, me ajudaram. Me deram material de construção, me deram areia, me deram dinheiro. Vieram para poder ver se realmente eu era assim dessa situação. Aí, nós acabamos de fazer a casa, só que faltavam algumas coisas, mas gente entrou num ponto que dava para morar. Nós ficamos sem a porta da cozinha, aí, quando vinha a chuva de vento tinha era um plástico, um pedaço de madeirite, aí ele [Mauri] ficava lá segurando e eu chorando desesperada. Mas aí Deus dá a gente uma porta. Nós ficamos sete meses sem porta. Mas a porta chegou. Mas, aqui em casa, o único móvel que a gente conseguiu comprar foi o fogão, o guarda-roupa, porque eu tinha ganhado dinheiro para comprar a geladeira. Só que eu precisava mais do guarda-roupa, porque a geladeira com certeza alguém ia me doar usada. Comprei o guarda-roupa, cama, colchão, uma cômoda.
Parece que houve um episódio em que vocês passaram por um incêndio em casa, não foi isto?
Tatiane: Antes de nós casarmos, lá no quarto tinha uma caixa de fogão que a gente colocou de fiação, essas caixinhas de luz, e tinha umas roupas dele também. Aí pegou fogo. Acho que meu sobrinho e minha sobrinha que estavam pequenos acenderam o fósforo e jogaram dentro da caixa. Queimou os fios, queimou os apagadores. Ele veio correndo, tirou uma treliça da janela, o ar entrou e o fogo alastrou mesmo, e quase queimou o nosso fogão que estava lá também. Mas Deus abençoou que foi só um susto.
Mauri, como é que foi para você essa época? Há 12 anos que vocês se casaram, mas o casamento aconteceu depois que vocês descobriram a doença?
Mauri: Sim, mas ela já tinha as dificuldades antes. Só não tinha o diagnóstico firme do médico. E nessa época ela já fazia o tratamento. Quando eu conheci a Tatiane, ela já tinha a dificuldade dela. E isso não impediu de gostar dela. Ela me mostrou um lado pessoal muito bacana, que num momento difícil da minha vida, eu conheci a Tatiane, que me surpreendeu muito. Porque é uma mulher guerreira, uma mulher que trouxe paz em minha vida. E neste momento que eu a conheci, ela me deu coragem para prosseguir a vida. Foi um ponto de apoio muito firme. Então, neste momento eu comecei a gostar dela bastante, e nós começamos a namorar. Nessa época, ela fazia o tratamento no Sara Kubitschek, em Belo Horizonte. Nós estávamos noivos. Ela foi fazer o tratamento que o médico descobriu desse diagnóstico, que é uma doença que atrofia os nervos e a pessoa pode ficar até imóvel na cama. Mas ela, com a vontade de viver, não deixou isso atrapalhar a vida dela.
Como é que foi o apoio familiar nessa hora?
Tatiane: Ah, minha mãe e meu pai são super pais. Quando eu era pequena, quem me levava lá em Belo Horizonte, que eu passei em vários hospitais até chegar no Sara, era minha mãe. Às vezes, eu caía. Minha mãe nunca me abandonou, sempre correu atrás das coisas para mim. Meu pai, quando minha mãe não podia, ele ia. Mas, mais era minha mãe, porque meu pai tinha que trabalhar para cuidar da gente. Minha mãe é uma guerreira, nunca me abandonou.
Mauri, como era a sua vida profissional nessa ocasião? Você teve alguma dificuldade para trabalhar?
Mauri: Sim, na época eu estava desempregado, praticamente. Estava trabalhando numa empresa, começando, sem fichar. Mas, Deus foi tão bom que nessa época surgiram cursos profissionalizantes gratuitos. E eu participei desse curso, que abriu outras portas de emprego, e caí numa empresa grande. Tive um salário melhor e começando a ter umas condições melhores. Assim, começando a fazer nossa casinha, adquirir nossos bens, preparar para o nosso casamento. E foi nesse momento até onde chegamos aqui.
Vocês são evangélicos, não são? O que Deus contribuiu em todo esse processo na fé?
Tatiane: Então, eu tive um relacionamento de noivado de oito anos, antes de eu conhecer o meu esposo. E quando terminou esse relacionamento, eu fiquei em depressão. Eu não queria comer, não queria ver ninguém, queria só ficar no quarto. Fiquei três meses assim. A minha mãe chamava minhas colegas e no momento que eu estava com elas, estava bom. Mas quando elas iam embora, eu voltava a chorar, eu chorava muito, o dia todo. Foi aí que eu me aproximei da Bíblia. A Bíblia para mim é minha comida, minha bebida, eu dormia até abraçada com a Bíblia. Comecei a assistir um programa cristão na televisão todos os dias. Aquilo ali foi me levantando. Jesus já estava, porque meu pai também é evangélico. Meu pai já orava por nós. Foi nesse momento que Deus me alcançou, entrou na minha vida. Eu abri meu coração para Cristo e Ele entrou. Aí, eu olhei no espelho e falei: “Não, eu não posso continuar assim. Jesus sofreu, morreu naquela cruz, então eu não posso ficar assim”.
Os médicos, pelos diagnósticos, te deram um curto tempo de vida. Você acredita que a fé te fez viver até aqui e vai te fazer viver muito mais?
Tatiane: Sim, porque tudo bem que os médicos estudaram para poder me dar esse diagnóstico, mas eu acredito nas coisas que Deus fala. Você tem que ter Deus na sua vida, se não tiver Deus, não tem nada. Aí eu me levantei [da depressão], a partir do momento que eu entreguei minha vida para Cristo. Eu tive um segundo noivado que durou sete meses, aí Jesus tirou, porque não era aquilo que Deus queria para mim. Com menos de um mês eu conheci ele [o marido]. Depois daquilo que Ele entrou na minha vida, minha vida deu uma guinada, tudo fluiu.
Mauri, o que significa a religião na sua vida?
Mauri: A religião na minha vida é a palavra de Deus. Jesus é o caminho e o caminho é a vida. E na época quando eu conheci a Tatiane, eu não conhecia esse Jesus. Tinha vícios de bebidas, eu bebia, mas era bebida de dose. 24 horas é só no litro. E quando eu conheci a Tatiane, ela me mostrou esse caminho, ela falou de Jesus para mim e eu comecei a entender que a vida não era só festa, farra. A gente tem que ter um momento espiritual na vida da gente, e eu não tinha. E quando eu a conheci, ela me falou: “Mauri, eu gostaria tanto ir na igreja, assistir um culto”. E eu fui pela dificuldade. Na época a gente não tinha carro e falei assim: “Arruma que hoje eu vou te levar na igreja”. Saímos, pegamos um ônibus, mesmo com a dificuldade dela andando, segurando o meu braço, fui levar ela na igreja. Só que naquele momento que eu a levei, aí que eu descobri que eu estava me levando também. Foi aí que eu tive um momento com Deus naquele dia. Quando eu entrei na igreja, estava passando uma música, que lembro até hoje. É um louvor de Carmem Silva, que chama Contrato Fechado. Então, quando eu entrei e chorei, chorei, chorei muito. E daquele dia para cá, minha vida mudou foi muito. Eu tive uma experiência com Deus, deixei meus vícios para trás e a minha vida foi abrindo as portas. Saúde, emprego, prosperidade, a vida amorosa também. Responsabilidade, que a gente acaba tendo muito mais. Então, o negócio é você estar firme com Deus.
A Tatiane tem essas limitações, mas ela não aposentou até hoje. Por que essa dificuldade, tendo em vista que você tem as limitações?
Tatiane: Sim. Eles alegam que eu comecei a contribuir, que minha mãe foi orientada a pagar para mim, na época eu tinha uns 16 anos. Aí minha mãe pagou dois anos para mim. E eu consegui um emprego, na época, na vaga de pessoa com deficiência, mas era muito mal divulgado essas coisas, essas vagas para deficiente, que estava começando ainda as leis valerem. Eu consegui um emprego no Hospital Carlos mChaves, mas consegui trabalhar só três meses. Porque pelo fato de eu ter essa doença, me deu sequelas. Eu tenho escoliose. Então, eu não posso ficar muito tempo em pé, não posso ficar muito tempo sentada. Eu caí lá e fiquei com a coluna doendo e eles me mandaram embora. Passaram uns anos e eu arrumei na Prisma. Fiquei três meses lá de novo, só que lá era meio expediente. Então estava ficando muito cansativo para mim, eu trabalhar de manhã e ir para fisioterapia cansada. Eu falei assim: “Eu vou cuidar da minha saúde”.
Hoje, o Mauri trabalha fichado e você tem uns dotes culinários em casa. Quais produtos você faz?
Tatiane: Faço geleia de pimenta com abacaxi e outra de maracujá. Eu faço de frutas. Tenho clientela na academia. Tenho uns amigos lá que sabem da minha situação e compram também para me ajudar. Eu também faço pimentas. Pimenta malagueta, dedo de moça, biquinho.
Mauri: Esse fato dela fazer geleia foi realmente um modo de pensar da Tatiane, que mostra o lado da profissional, porque ficar em casa, sem trabalhar, sem uma ajuda de custo de governo. Eu pensei: “Vamos arrumar um jeito de você ganhar seu dinheirinho, porque você não pode ficar nessa”. E ela falou assim: ” Vou fazer o que puder para te ajudar também em casa”. Compramos uns potes de vidro, ela começou a fazer a geleia e começamos a vender porta-a-porta. Saímos vendendo e nisso, cresceu. Quando veio a Covid, tinha que parar essa nossa atividade, até para preservar a saúde e os custos ficaram muito altos. Mas agora, este ano, nós voltamos para cima.
Vocês usam com a rede social para divulgar?
Tatiane: Não. Nós fizemos uma degustação no Senac, no trabalho dele. E nós bombamos lá. Os alunos vieram, comeram, gostaram, compraram. Muitas vezes também a gente coloca lá na Dona Temperos, que é da minha irmã também. Eu vou falar para as pessoas que aquelas que têm um sonho, não desistam do sonho. Lute. Coloque a Deus na frente. Arregaça a manga. Hoje em dia a gente tem que fazer com trabalho e a gente tem que pensar na gente. A gente tem que correr atrás nas nossas lutas. E as nossas conquistas vêm.